O Marco Legal da Geração Distribuída foi instituído no Brasil através da Lei 14.300 de 6 de janeiro de 2022. Essa legislação estabelece o regramento da micro e minigeração distribuída de energia, modalidade que permite que consumidores produzam a própria eletricidade e obtenham economia na conta de luz por meio de um sistema de compensação de créditos com a concessionária de distribuição.
Esse mercado foi criado em 2012 por meio de uma resolução normativa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a REN 482. A sanção da Lei 14.300 promove algumas alterações nessa regulação.
Para que você não tenha dúvidas de como será o funcionamento do mercado de geração distribuída (GD) nos próximos anos, o Portal Solar esclarece quais são os principais pontos dessa nova legislação.
Geração distribuída
A micro e a minigeração distribuída, mais conhecidas como geração distribuída (GD), são modalidades que permitem a geração de energia elétrica no local ou próximo ao ponto de consumo.
Ela se difere da geração centralizada, que é composta por usinas de grande porte, que são conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), o sistema elétrico que leva energia ao consumo por meio de uma rede de transmissão e distribuição.
A GD pode fazer uso das fontes eólica, solar e biomassa para gerar energia. Por questões de custo e versatilidade, a tecnologia solar fotovoltaica responde por mais de 98% das instalações do segmento no País.
O que possibilitou a existência da GD no Brasil foi a Resolução Normativa Aneel 482 de 2012 (REN 482). Essa regulação definiu as regras básicas da categoria, depois aperfeiçoadas pela REN 687 de 2015, incluindo a definição da potência máxima de 75 kW para sistemas de microgeração e de 5 MW para minigeração.
A REN 482 também estabeleceu o sistema de compensação de energia elétrica. Esse sistema permite que o consumidor injete a energia excedente gerada pelo seu gerador na rede de distribuição.
A energia excedente se refere a tudo aquilo que foi produzido e não foi consumido. Essa energia injetada gera créditos que podem ser abatidos na conta de luz. Para incentivar esse tipo de instalação, a regra previa que todo watt injetado pelo consumidor fosse compensando integralmente na conta de luz, num sistema 1 para 1, também conhecido como paridade tarifária.
Revisão da REN 482 e Projeto de Lei 5829/19
Em outubro de 2019, a Aneel apresentou uma proposta de revisão da REN 482 que alterava o sistema de compensação. O texto previa o fim da paridade tarifaria, com a compensação de apenas um percentual do crédito de energia em favor do consumidor, que variava conforme os cenários propostos. (1 para 0,75 ou 1 para 0,5, por exemplo).
Essa proposta foi vista como extremamente desfavorável pelo setor de energia solar, trazendo o risco de inviabilizar investimentos e quebrar o segmento, que ainda era pequeno em comparação ao mercado consumidor total do Brasil.
A reação do setor solar a essa proposta levou a elaboração de um projeto de lei para estabelecer um marco legal da GD. Isso porque uma lei é um instrumento hierarquicamente superior a uma resolução normativa. Um marco legal garantiria segurança jurídica ao mercado, impedindo que mudanças abruptas na regulação afetassem o setor.
Em novembro de 2019, foi apresentado o Projeto de Lei 5829/19, de autoria do Deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), propondo a criação do marco legal da micro e minigeração distribuída.
O texto tramitou por dois anos no Congresso e sofreu várias alterações, até se estabelecer um consenso entre os diferentes agentes do setor elétrico. A proposta final foi aprovada no Senado e na Câmara dos Deputados em dezembro de 2021 e sancionada pelo presidente da República em janeiro de 2022, convertendo o PL 5829/19 na Lei 14.300.
O que muda com o Marco Legal da GD?
As principais mudanças que a Lei 14.300 traz para o mercado de GD no Brasil se referem ao sistema de compensação de créditos. Uma nova regra tarifária, que levará em conta os custos e benefícios do segmento ao setor elétrico, será elaborada em duas etapas:
– A primeira, que consiste na publicação das diretrizes do cálculo, levando em conta cinco aspectos (transmissão, distribuição, geração, perdas e sinal locacional), deve ser realizada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
– A segunda, que é a realização da conta em si, deve ser feita pela Aneel.
Conforme estabelecido pelo marco legal, a expectativa é que essa nova regra seja definida até meados de 2023.
Regra de transição
Conforme o marco legal, sistemas já existentes ou que protocolarem solicitação de acesso em até 12 meses após a publicação da lei permanecerão sob a regra de paridade tarifária até 31 de dezembro de 2045. Essa situação é definida como “direito adquirido”.
Projetos que se conectarem entre janeiro e julho de 2023 terão direito a uma transição até 31 de dezembro de 2030. Para as unidades consumidoras que se conectarem após 18 meses da aprovação da Lei, a transição termina em 31 de dezembro de 2028.
Nesses dois últimos casos, os projetos serão cobrados por alguns componentes tarifários de forma escalonada, a depender das características do sistema.
As regras definitivas começarão a ser válidas em janeiro de 2029 para consumidores que protocolarem a solicitação de acesso após julho de 2023. Para aqueles que protocolaram entre janeiro e julho de 2023, o início é em 1º de janeiro de 2031. E para os consumidores com direito adquirido, somente em 1º de janeiro de 2046.
Perda do direito adquirido
Como citamos anteriormente, sistemas de micro e mingeração distribuída já existentes ou que protocolarem solicitação de acesso na distribuidora até doze meses contatos da publicação da Lei não estão sujeitos a aplicação das novas regras de compensação de crédito até 31 de dezembro de 2045. Esse é o chamado direito adquirido garantido pelo Marco Legal.
Porém existem algumas hipóteses que podem fazer com que o consumidor perca seu direito adquirido:
Encerramento contratual da Unidade Consumidora: um imóvel com sistema fotovoltaico com direito adquirido é vendido. Caso o proprietário antigo peça o desligamento da unidade, o comprador terá que homologar uma nova Unidade Consumidora (UC) e o sistema. Nesse processo, o direito adquirido é perdido.
Para manter o direito adquirido, é necessário manter a UC ativa e, após a venda do imóvel, transferir a titularidade para o novo proprietário do imóvel.
Aumento da potência instalada (somente para a parcela ampliada): o proprietário de um sistema de 10 kW decide agregar mais potência e alcançar 15 kW. Os 10 kW originais mantém a o direito adquirido, enquanto os 5 kW adicionais entram na regra nova.
Irregularidades no sistema de medição (desde que atribuíveis ao consumidor): isso inclui ligação elétrica irregular (gato); aumentar a potência do sistema sem comunicar a concessionária de distribuição.
Taxação da energia solar?
A revisão da REN 482 proposta pela Aneel em 2019 foi tão desfavorável para a geração distribuída que gerou uma forte reação do setor solar. Foi nessa ocasião que foi cunhado o termo “taxação do Sol”, para se referir ao fim da regra da paridade tarifária.
Com a aprovação da Lei 14.300 e as mudanças promovidas no sistema de compensação, muitos consumidores e empreendedores entendem que essa taxação foi oficializada. Porém essa definição não é exata.
O que o marco legal promove é o estabelecimento de compensações pelo uso da infraestrutura da rede elétrica. O entendimento é que, conforme o segmento cresce, é preciso reduzir gradativamente os incentivos. Além disso, a nova regra deverá levar em conta os benefícios da GD ao sistema, como a redução da demanda de consumo.
Em razão de questões sistêmicas do setor elétrico brasileiro, que incluem encargos, empréstimos, aumento de incidências de secas afetando a produção hidrelétrica e aumento do uso de usinas térmicas, mais caras e poluentes, a tendência de encarecimento das tarifas de energia é de difícil reversão. Esse cenário, combinado com a redução de custos da tecnologia fotovoltaica, traz perspectiva de que o investimento na GD solar siga vantajoso, mesmo com as novas regras.
Outras alterações
Além de mudanças na valoração de créditos de energia, a Lei 14.300 promoveu algumas mudanças técnicas na modalidade. Vamos conferir alguns exemplos:
Potência dos empreendimentos: até 6 de janeiro de 2023, são classificados como minigeração distribuída sistemas entre 75 kW e 5 MW. Após a data, o limite será de até 3 MW, mesmo que a instalação possua sistema de armazenamento. A mudança não se aplica para fontes despacháveis (biomassa, PCHs, por exemplo) que seguem com o limite de 5 MW
Utilização dos créditos: a lei abre a possibilidade de realocar os créditos excedentes para outras unidades consumidoras do mesmo titular na mesma área de concessão. A distribuidora tem até 30 dias para operacionalizar esse procedimento. Na REN 482 isso não era possível.
Exemplo: O proprietário de um sistema fotovoltaico na matriz da empresa pode definir a ordem de prioridade ou os percentuais a serem abatidos em duas filiais diferentes.
Unificação de titularidade: autoriza que participantes de consórcio, cooperativa, condomínio voluntário ou edilício possam transferir a titularidade das contas de energia elétrica para o consumidor-gerador. Isso permite que uma geração compartilhada se enquadre como autoconsumo remoto e evita que o projeto pague ICMS na eletricidade. Também facilita a transferência de crédito entre os consumidores participantes.
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